JOÁ KING ERRANTE

Esse espaço foi criado por conta de minhas histórias e imaginação: textos fictícios, realistas, sobrenaturais, mentirosos, instigantes, expressivos e confusos como a minha própria mente. Na maior parte, vivências e observações. Vou criar personagens, para que não haja problema com nomes, vou criar nomes para que não haja problema com personagens. Sou viajante errante, uma pessoa amiga, que pretende mexer com a cabecinha de vocês por meio dessas histórias.

12.1.07

O dia que troquei uma esquizofrênica por uma maluca.

Agora é sério.

Voltava do trabalho para casa de metrô, como de habitual. Fui forçado a entrar no vagão das mulheres, aquele rosinha. Só entrei porque o sinal tocou e não tinha como entrar em outro. Quando entro nesse vagão olho sempre se conto com a presença de outros do mesmo gênero que eu. Acho essa lei uma besteira, mas procuro sempre ser respeitoso com tudo. Normalmente, nunca sento, vou em pé, mesmo nos outros vagões destinados a todos os gêneros, raças e religiões. Prefiro ficar em pé, para não passar o constrangimento de oferecer o assento para senhoras que se recusam encarar o peso da idade ou aquelas que me enganam com o peso da barriga.

Estava saindo mais cedo do que o habitual, ia para a pré estréia do documentário da esquizofrênica Estamira, mas antes passaria em casa. Quando, de repente, escuto uma voz: você poderia se levantar? Esse vagão é para as mulheres e eu estou caindo de cansada. Olhei... olharam... nos entreolhamos. Aquela pergunta não se dirigia a mim, mas a um rapaz sentado, que comia um sundae, e ao lado dos seus pés uma grande sacola. A mulher, loura com um rabo-de-cavalo, vestia uma saia preta com um casaquinho combinando, na mesma cor e tecido. Segurava uma bolsa e um livro. Nos pés, um sapato de bico finíssimo, com salto altíssimo, daqueles de matar barata em canto de parede. Isso me chamou a atenção. Não tinha elegância, mas não poderia dizer que era uma qualquer. Mais para torta do que pra bolo, ombros arqueados, olhares de pneu caído, rosto de chuchu e cara de bico. Ela tinha diploma e registro. Todos no vagão, ou pelo menos os mais próximos, que puderam escutar o pedido, ficaram surpresos. O rapaz, sem palavras, se levantou e gentilmente, sem comentário algum, cedeu o lugar. Mais surpreso fiquei em não escutar ao menos um obrigado.

Com uma certa indignação, cometei com o rapaz: você sabe que essa lei tem limite de horário. Imediatamente, ela retrucou : sim, até as oito horas, que horas são no seu relógio?Respondi um pouco sem graça: dez para às sete. É, a senhora tem razão. Mas que sapatinho bonitinho, heim?( foi inevitável). Ela: olha rapaz, eu sou advogada. Encabulado e colocando o meu rabinho entre as pernas, lamentei o comentário e lhe respondi: tudo bem, foi apenas um comentário.

Envergonhado permaneci, reparei que as pessoas no vagão riam e comentavam o ocorrido. Não queria saber se eram contra ou a meu favor. Sem jeito, sem graça, esperei chegar ao meu destino. Mas antes que ele chegasse, uma estação antes, veio até a mim o rapaz. Obrigado, disse ele. Não sabia que agora educação tinha diploma, continuou. Falei que ele tinha sido educado e que esquecêssemos o fato, pois já estava muito constrangido.

Ele se despediu e saiu. Continuei por mais uma estação. Quando a composição chegava na minha estação-destino percebi que ela se arrumava para se levantar. Não tinha o ar de cansada. Aproximei-me da porta junto com outras pessoas. Abriu a porta, atravessei e me caminhei até as escadas. Ela fazia o mesmo, um pouco atrás de mim. Nesse instante, aproxima-se de mim um outro homem, mas forte e com aspecto jovial. Perguntou-me: o que foi que ela falou para o rapaz? Expliquei. E ele: que mulher maluca. Alertei: ela está aí atrás. Ele: que se dane... maluca. Antes mesmo que conseguisse pisar o primeiro degrau, surge um dedinho batendo no ombro do homem que me acompanhava. Era ela. O que o senhor falou, perguntou. O senhor me chamou de maluca? Corajosamente o homem confirmou. E ela passou a descrever o fato da seguinte maneira: escuta aqui, eu fui operada 3 vezes da coluna (eis o motivo de ser torta) e eu não posso ficar muito tempo em pé (muito menos em cima de um salto agulha, pensei eu). Continuou: eu estava no vagão das mulheres e sentado num banco, um bichinha... epa! Auto lá! Imediatamente, parei e me voltei para ela. Tinha recuperado a razão que nunca tive e que, por um momento, dentro do vagão, a perdera. Repita o que a senhora acabou de falar, pedia-lhe. Caindo em si, a pseudo advogada, ficou levemente corada, sem coragem de me encarar. Evitava o confronto. Eu insistia, repita. Eu não tinha certeza do que havia escutado, mas diante de sua hesitação em repetir o que dissera ao homem, só me fazia confirmar que os meus ouvidos não haviam se enganado. Isso era preconceito. O garoto nem era bichinha. Estava difamando e sendo desrespeitosa. Vamos a polícia, quero prestar queixa, eu dizia (cacete, mas queixa de quê, eu pensava, diante de meu estado insano). Dessa vez, era eu que a intimava de forma direta e não velada como me havia feito dentro do vagão.

Já irritada, me chamava de maluco e que eu estava a perseguindo desde dentro do vagão. Pedia para sair da sua frente, e eu insistia que ela repetisse. Já transtornada, me empurrava e me lançava olhares ameaçadores de bacharel. Saia da minha frente – dizia ela. Se quiser passe pelo lado, disse-lhe. Foi quando, de uma forma descontrolada, me empurrou, e eu, de forma intuitiva, fiz o mesmo, reagindo a sua ação. Não me toque, gritou de forma furiosa e imperativa. Enfurecida, possuída de poderes judiciários, como se vestisse uma toga e tivesse na mão aquele martelinho,virou-se e me deu com o livro na cabeça, me chamando de maluco, novamente. Convenceu-me.Vesti a carapuça. Fiquei maluco. Agora tinha chegado ao extremo. Cadê o segurança? A senhora me agrediu, vamos para a polícia. Procurava ao meu redor algum segurança. Ela gritava que eu era maluco, o seu olhar já não era desafiador, mas frágil e de horror. Ela andava apressada a minha frente, como de quem fugisse de um algoz. Eu era o seu algoz. E eu insistia, espera, vamos falar com o segurança, quero prestar queixa, dizia. Ela fugia, apavorada, e se virava olhando os meus movimentos como quem foge de uma ameaça. Avistei o segurança, e pedi para ele segurar a mulher. Ele atônito, perguntava-me: pra quê? Quem iria acreditar que aquela senhora de pouca elegância, mas distinta, meio torta, pudesse ter feito algo a um quarentão com ares de garotão? Ele é maluco, estava sentado no vagão das mulheres e me chamou de maluca – repetia ela, já na escada rolante. Ela está mentindo, dizia para o segurança (aquilo, para mim, era pior do que a própria agressão).

Fui até a rua, seguindo-a, em vão. O segurança pedia para ela esperar. Ela dizia não ter tempo e estava com pressa. Ainda, agora, não me parecia cansada, com problemas na coluna, só assustada e covarde. Fugiu e me deixou com uma sensação de frustração, indignação pela forma que usava o seu título de autoridade. Mais uma vez me senti frágil e com o sabor da impunidade.

Isso é verdade, aconteceu mesmo. Claro que no final disso tudo, depois que a indignação passou, ri muito do fato e melhorei depois que cheguei em casa e escrevi o texto. Mas uma coisa é certa: isso é pouco, besteira. Mas, se pensarmos que essas coisas pequenas podem transformar em uma monstruosidade, aí isso me preocupa. Se desde pequenos, nas coisas pequenas, nos habituarmos a sermos atenciosos, respeitosos e humildes, tenho certeza que ao depararmos com algum problema, realmente sério, teremos uma resposta humana e conciliadora.

1 Comments:

At 4:20 PM, Anonymous Anônimo said...

só vc mesmo pra perseguir mulheres no metrÔ...

:-)

 

Postar um comentário

<< Home