JOÁ KING ERRANTE

Esse espaço foi criado por conta de minhas histórias e imaginação: textos fictícios, realistas, sobrenaturais, mentirosos, instigantes, expressivos e confusos como a minha própria mente. Na maior parte, vivências e observações. Vou criar personagens, para que não haja problema com nomes, vou criar nomes para que não haja problema com personagens. Sou viajante errante, uma pessoa amiga, que pretende mexer com a cabecinha de vocês por meio dessas histórias.

29.1.07

Quem não tem o seu sassarico?


Sassaricando, composto por 89 marchinhas organizadas por temas, enaltecendo ainda mais as suas letras, é um musical delicioso. Com pouco texto, mas com um conjunto de músicas que contam uns 60 ou 70 anos da história do Rio de Janeiro e, principalmente, do seu Carnaval. Uma equipe de primeira que aproveita muito bem a nossa música... isso tudo a Bárbara já disse. Mas o que será que ela não disse?

O que ela não disse, e nem poderia dizer, sai guardado dentro de cada um. Antes mesmo de levantar para aplaudir o espetáculo, na hora que os cantores cantam a penúltima música, “Sassaricando”, o público esquece os problemas e se veste de alegria. Lembranças de histórias, lembranças da vida dos anos 50, onde as letras maliciosas – que hoje para nós soam como ingênuas – eram proibidas as meninas direitas de cantar.

Chiquinha Gonzaga deu o seu “ó abre alas” as marchinhas, em 1899, gênero que só foi criado nos anos 20. Quem, assim como eu, que já passou dos 40, ou mesmo a molecada dos 20, não conhece alguma marchinha? A leveza, alegria e irreverência dessas músicas nos levam a um período que não existe mais. Não estou falando do Carnaval de rua, mas do espírito alegre e ingênuo que as músicas tinham. Verdadeiras crônicas bem-humoradas de nossos dias.

Muitas das músicas estão no meu imaginário. “Cadê Zazá ?... Cadê Zazá ?... /Saiu dizendo, vou alí, e volto já, / Mas não voltou porque ? Porque será ?/ Cadê Zazá, Zazá, Zazá ?” ou “Linda pastora / Morena da cor de Madalena/ Tu não tens pena / De mim que vivo tonto com o teu olhar / Linda criança / Tu não me sais da lembrança / Meu coração não se cansa / De sempre e sempre te amar” e a poderosa “Eu fui as touradas em Madri /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum /E quase não volto mais aqui /Para ver Peri beijar Ceci /Para tim bum, bum, bum /Para tim bum, bum, bum”. São maravilhosas.

O espetáculo guarda algumas surpresas, como o novo arranjo para “Alá-lá-ó”, interpretada pela Juliana Diniz, neta de Monarco. É muito engraçado. É o próprio espírito irreverente desse gênero musical. Assim como, marchinhas desconhecidas para mim:“Infelizmente” e “ Não sou Manoel”, por exemplo. Os arranjos de algumas músicas são novos, liberdade que esse gênero permite. Parabéns para o diretor musical e arranjador, Luis Filipe de Lima.

Os cantores, Pedro Paulo Malta e Alfredo Del-Penho, novos para mim, são uma grata surpresa. Interpretam na medida certa as marchinhas. Sabrina Korgut é uma excelente cantora e ainda demonstra os seus dotes de bailarina para cantar “ Lig, lig, lig, lê”. Não tenho o que falar de Soraya Ravenle. Impecável. Eduardo Dussek é uma estrela. Quando ele entra algo acontece. Ele enche o palco. Possui mais carisma e empatia do que todos, mas isso não o faz melhor... não mesmo.

O meu único senão, vai para o figurino. Não sei. Fiquei na dúvida se gostei ou não. Muito pano e luxo, para um gênero tão leve e pueril. Parece-me que quiseram vestir as marchinhas para uma festa de gala, mas elas estão mais para um baile do bola-preta. Não atrapalha, até dá um brilho, mas analisando mais profundamente, achei fora de contexto. O contra-ponto vai para o baú, esse sim merecia um cuidado especial. Cenográfico demais, deixando aparente as suas estruturas, um forrinho não era má idéia.

O que mais de especial esse musical desperta, são as senhorinhas de seus mais de 70 anos, acompanharem os cantores, fazendo um coro improvisado. Tá certo que me juntei ao coro também, isso não foi privilégio apenas delas. Não precisava pedir, elas acompanhavam sem pedir licença. As mais educadas esperavam o comando, a permissão, de um dos cantores para acompanhá-los, e, normalmente, vinha do Dussek.

É um espetáculo obrigatório. Um pedaço do nosso Rio de Janeiro, por vezes tão mal-tratado, que ainda possui a alegria de se viver.

20.1.07

ABCdário


Aqui, eu começo os textos da viagem que fiz em outubro. Para ficar um pouquinho diferente, escrevi de forma de ABCdário. Viajei por 30 dias pela Espanha e Portugal.

ACHAR. Achar qualquer coisa na Europa é muito difícil, principalmente EURO. Nem um cent! Um dia, estava precisando de uma moedinha para completar uma passagem de auto-carro (ônibus), evitando, assim, de usar uma nota de 20 ou 50. Nada! Não teve jeito. Para não dizer que nao achei nada, achei a entrada da boate (de uma outra pessoa), que dava direito a um drink. Procurei o dono da entrada e devolvi. O meio faz a pessoa, e mesmo que não fizesse, sou assim por naturaza. Outra coisa que achei, e que nao valeu de nada, foi um piruzinho de papel… nao servia para nada mesmo.

AMBROSIA é uma loja de produtos conventuais da idade média que visitei em Girona. Doces dos Deuses. Foi nessa loja que encontrei um dos poucos simpáticos espanhóis pela viagem. A loja dava o clima do lugar.

BAIRRO ALTO. Ao Bairro Alto fui muitas vezes, a noite e de dia. De dia não se tem muito o que fazer. Mas descobri algumas lojinhas muito interessantes por lá. Destaco duas. A primeira delas é dedicada a um tipo de fotografia com uma máquina especial, uma espécie de Polaroid com um recurso gráfico. É um pouco difundida pela Europa e tem lojas especializadas vendendo-as e, na altura, estavam fazendo um concurso entre seus proprietários. Devo ter perdido o papel com as referências da máquina e, agora, não sei informar o nome, sei que ficava na Rua da Atalaia. Foi lá, que pela primeira vez, tive contato com as publicações – sobre eventos, moda, agenda …sobre tudo – que são distribuídas gratuitamente em alguns bares, restaurantes e lojas. Escreverei delas mais adiante.

A segunda loja, também na Rua Atalaia, chamou-me atenção pelo desenho de seus personagens estampados nos mais diversos objetos (t-shirts, canecas, marcadores de livro, chaveiros, blocos etc). Coisas com história tem a proposta de promover um Portugal tradicional, com seus personagens mais famosos (Camões, Eça, Fernando Pessoa, Amália), outros nem tantos (Camilo Castelo Branco, Beatriz Costa, Almeida Garret), personagens do povo (galo de barcelos, alcoviteira, fidalgo, frade, enforcardo) e os pontos turísticos de forma jovem e divertida, criando, assim, interesse pelo passado de forma revigorada. Vale a pena saber mais da proposta dos seus responsáveis, acessem o site
www.coisascomhistoria.com . Segundo eles: Estamos no presente, a fabricar o futuro, com o exemplo do passado.

A noite, é outro história. As pequenas ruas do Bairro se abrem para a juventude bonita e cosmopolita de Portugal. Fiquei impressionado com a beleza daquele povo e me arrependi de não ter tirado mais fotos. Principalmente de uma bela arquiteta que já esteve a trabalhar aqui no Brasil. Passei por vários cafés, bares, boates e restaurantes. Alguns eu recordo o nome: ar puro (onde não se fuma), arroz doce, lei seca (
www.leisecabar.com)- entrem nesse site e escutem a música, é o bom brasil invadindo a Europa por Portugal - , mezcal, favela chique, janela d’atalaia, sétimo céu... Mas foi num bar com decoração a Jazz, que não recordo o nome, que os amigos Miguel e Mônica nos levaram. Sim... nos levaram, porque nesse dia tive a visita surpresa de outro amigo, Rogério. Fomos os 4 para o Bairro Alto, mais uma vez, tomar uma “caipirinha”. Lá encontramos uns amigos do casal que moram em Nova York, fazendo o mesmo.

Logo quando cheguei, Miguel, Mônica e Sara levaram-me para jantar no Bairro. Fomos a um restaurante bem típico, nada de decoração moderna. Gambas foi o meu prato. Mas o que ficou na minha memória degustativa foi o doce alentejano, Pão de Rala. No dia seguinte, sozinho na capital, voltei ao Bairro à noite, e fiquei na porta do Bar Portas Largas. Como o próprio nome diz, as portas são largas e da rua pode-se ficar assistindo o que estiver passando no telão. E, nessa noite, tive a companhia de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown e seus Tribalistas. Nessa noite não me senti só no Bairro Alto. Aliás, diga-se já, a música brasileira é muito escutada em Portugal, e Marisa monte é um nome conhecido em algumas cidades por onde passei ou por onde tive contato com seus moradores, como: Lisboa, Porto, Barcelona, Madrid, Paris e Viena.

BANHO. Tomar banho, para nós dos trópicos, é imprescindível. E não caiam na besteira de falar que os europeus não tomam banho. Eu tenho outra tese para o mau cheiro que às vezes assola as nossas narículas dentro do metro, auto-carro e mercados. Mas, banheiro e, principalmente, o banho são capítulos à parte nessa viagem.

Assim que cheguei no velho continente, depois de ter resolvido o meu problema da bela recepção na cidade alemã, Frankfurt, fui para o hotel indicado pela Varig para passar a noite que não tinha previsto. No banheiro do hotel deparei com um vaso sanitário limpo e moderno. Percebi que quando sentava, as perninhas ficavam balançando. Os meus pés não chegavam confortavelmente até o chão. Alemão é grande, né gente? Mas, em compensação, na banheira, quase que encostava a cabeça no teto. Por que será? Por que essa diferença de parâmetros entre as duas alturas do banheiro?? Será que na hora do banho o alemão reduz a sua altura? Sabe como é a tecnologia do velho (¿) continente ( esse computador tá maluco, adotou os parâmetros da escrita española, será que é conspiração?). A resposta vem logo. Entrei na banheira para tomar banho e me deparei com um dos problemas mais recorrentes da viagem. Já sabia do costume do povo europeu em tomar banho com ducha e sabonete líquido (você não encontra sabonete em barra, apenas nos hotéis). Isso para mim não seria problema. O misturador, também, já não era novidade. Em todos os banheiros que fui – escrevo TODOS -, o misturador era aquele com apenas uma “manivela” que ao girar para direta temos água fria, para esquerda água quente e para cima muita água. Um luxo! Tudo bem. Liguei a torneira e só saía água para banheira. E como não sou estrela de cinema e nem Rita Lee acostumada a tomar banho de espuma, procurei uma maneira de tornar a ducha um chuveiro. Chuveiro Baixo, deixa-se claro. O suporte para ducha já havia encontrado, mas como fazer a água sair pela ducha e não pela torneira da banheira? Para não ser pego desprevenido, com um jato de água fria nas costas, não coloquei a ducha no suporte, deixei-a onde estava, apoiada na torneira. Vi um pininho, bem em cima da torneira, tratei de apertá-lo e, mais do que de repente, a ducha tomou vida, num salto lançou-se ao ar como uma serpente Naja me atacando a cara. Com a pressão da água, a ducha tomou vida e me jogou ao chão da banheira. Por sorte não me machuquei. Lição número um: nunca fique muito perto do problema a ser resolvido, tome um certo distanciamento, assim a sua análise poderá ser mais abrangente e não correrá riscos.

Por todos os banheiros que passei alguns me chamaram atenção. No próprio hotel de Frankfurt, no banheiro do Lobby, para cada mictório um cinzeiro. Isso mostra como o povo gosta de fumar. E no banheiro da rodoviária de Caldas da Rainha, cidade que parei a caminho de Óbidos (Portugal), não tinha vaso sanitário. Apenas um buraco e dois lugares para colocar os pezinhos. Isso deve ser para fortalecer as coxas do povo e deixar o bumbum como o dos (as) brasileiros (as), empinadinho.


BARCELONETA. De um polo ao outro, passamos, agora, para Barcelona, Barceloneta. Barceloneta, pelo que entendi, é um bairro com umas dezenas de quarteirões todos rigorosamente ordenados. Próximo a praia, onde temos um local com mesmo nome, não seria nada demais, se não estivesse, no dia em que passei por ela, toda enfeitada.

Era domingo, dia 1 de outubro, o povo de Barcelona estava extasiado com uma apresentação na praia da frota de aviões de caça de sua forças armadas. Os aviões rasgavam o céu e faziam um barulho que interrompia a tranquilidade que o céu e o mar nos proporcionaria. A extensão de toda a praia estava ocupada pelas pessoas olhando para o alto, parvos, admirando as manobras dos aviões.

Voltando a tranquilidade das ruas de Barceloneta, em cada uma delas, uma decoração diferente. Em cada uma, uma festa diferente. Enfeitaram as ruas, colocaram mesas e uma mesa central onde serviam as comidas, mais ao fundo um palco. Assim, eles comemoravam o dia de sua padroeira.

BARRIGA. Por incrível que pareça, os europeus não tem problema com a barriga. Seja homem ou mulher, a maioria tem a sua. Levemente proeminente, diga-se já. O alcaide de Madrid, por exemplo, proibiu que modelos demasiadamente magras desfilem em eventos de moda. E, em outra esfera, na França há subsídios para que as mulheres aumentem a barriga e, passado 9 meses, ajudem a gerar uma população mais jovem. Isso tem dado resultado, e o índice da taxa de fertilidade das francesas aumentou, é o que eles estão chamando de Baby Boom.

BICI. É assim, de forma reduzida, que chamam a bicicleta em Sevilha. Foi em Sevilha que andei de Bicicleta com Taciana e Giuliano. Foi uma sensação boa, estar andando pelas pequenas ruas e grandes avenidas de Sevilha. A tardinha até anoitecer, andei pelas ruelas do Bairro Santo Cruz com sua arquitetura típica, entrei pela Avenida Menédes Pelayo, e atravessei o Parque Maria Luisa e parando em frente a Praça de Espanha para admirar a noite… foi muito bom.

BONIC. Em Barcelona, fiquei hospedado no charmoso hotel Bonic, do amigo Fernando. Fernando foi um dos bons contatos que estabeleci antes da viagem. Fora ele, tive contato com a Sara em Lisboa, Pedro no Porto e Jack em Madrid. O Bonic, como já tinha dito, é a extensão de nossa casa. Simples e aconchegante, cuidadosamente decorado. Tem aspecto refrescante e iluminado. Não são mais do que 15 quartos, todos distintos em sua decoração. Cores levemente cítricas dão a energia suficiente para restabelecermos a “gana” depois de um dia de muita andança. Era uma sensação maravilhosa quando chegava da rua e abria a porta do Bonic. O frescor e o aroma que o ambiente proporcionava era um bálsamo depois de um dia estafante.

O atencioso Fernando, junto com a Macarena, e a eventual ajuda do Richard, mantem o Bonic sempre um brinco. Logo cedo, tomava o meu café da manhã, com pão, queijo, presunto, iogurte, bolinho ou um croissant recheado com choclate, fruta (abacaxi ou melão), suco de laranja, café ou chá, ao som de música brasileira (Bebel Gilberto era a que mais tocava). Acessava a internet e depois ia para a rua. Nossa!! Era muito bom.

15.1.07

O Pequeno Grande Homem Triste

Se não me falha a memória, no ano passado, no começo do ano, escrevi um texto em que dizia que acordei me sentindo um Cary Grant. Inspiração pura. Não tenho mais esse texto, quem puder recuperá-lo para mim, eu agradeço. Aliás, recuperar foi o que mais marcou o meu fim de ano.

Todos sabem que sou movido a lembranças, memória e reminiscências. Segundo Platão, lembrança do que a alma contemplou em uma vida anterior, quando, ao lado dos deuses, tinha a visão direta das idéias. Bonito. Nesse fim de ano, fui recuperando algumas coisas e, sintomaticamente, perdendo outras, mas, logo em seguida, dando conta de seu paradeiro. Coisa estranha. Recuperei meus amigos Teresianos : André, Luiz Alberto, Ana Paula Barbosa, Claudia Belsito, Claudia Mendes, Andréa Ernesto, Isabela, Gisele, Adriana, Kátia Klein, Cristiane, Anete, Nyeta, Marcelo Henriques e, já no finalzinho, a menina Carinho, Márcia Menezes. Uma grande amiga da Faculdade, Cristina Behar, apareceu subitamente a caminho do chuveiro na praia. Jô Frazão mandou um email. Lídia estava feliz porque o gás estava funcionado no frio londrino. Parece que estava em sintonia com o passado, presentificando o meu futuro. Perdi um casaco, mas a Ana Carla achou, perdi documentos pela minha desorganização, mas a minha esperança deu cabo de encontrá-los, perdi o meu japa mala (terço indiano), no último dia do ano, mas o acaso me permitiu um novo encontro.

Ainda, no ímpeto de recuperar, recuperei uma coisinha que estava adormecida no meu coração, na minha alma, na minha existência: a confiança. A confiança no outro, no meu par, no meu semelhante. Ainda me sentindo ludibriado, me deixe enganar para ter esperanças e me sentir melhor.

Certa vez, num fim de semana, sai da sala de cinema me sentindo o próprio personagem. O filme era “Nem tudo é o que parece” (bem apropriado o título), o ator, Daniel Craig. Sai da sala como ele: imponente... destemido.

Essa manhã, acordei não me sentindo mais um Cary Grant. Fiz o spinning matinal (como isso é bom) e chegando em casa, tirei a camisa, me olhei no espelho e me senti bem. Até aquelas gordurinhas localizadas se reuniram num só volume tornando-se compactas duras e uniformes, formou uma armadura ... musculatura condensada. Disse: você está bem rapaz!

Botei uma calça azul que me cai bem, uma camisa verde água que combina com o azul escuro, um sapato preto, lavei o rosto, fiz a barba e moldurei o meu rosto com um ar misterioso de quem espreita todos atrás de uma lente escura. Saí de casa, estiquei o corpo (façam isso, as meninas também, estiquem o corpo o suficiente para que ele lhe dê mais um centímetro de altura e o suficiente para que a bunda não fique muito empinada). Arrumei a minha bolsa, coloquei no CDplayer Damien Rice, cantando aquela música cuja a versão está contagiando todos, e que chamo da melô do espelho. Escutei pela primeira vez no filme Closer. E, como um desses personagens de anúncio de cartão de crédito ou de carro, caminhei altivo, reto, impávido, impetuoso pela rua. Senti-me como um soldado urbano, fazendo revirar pescoços e derrubando adversários. Gerei cobiça, inveja e ciúmes. Rebati com desprezo. Com a cabeça imóvel, mas os olhos em permanente movimento, observava todos sem demonstrar a minha desconfiança. A boca cerrada, um risco, quebrada apenas com uma leve curvatura nos cantos, riso cínico e voluntarioso. Com um escudo invisível, abria o caminho através da horda urbana, um caminho imaginado, tornando a minha passagem livre e sem obstáculos. Os meus olhos ninguém via. O olho é a nossa alma, ele revela o que sentimos, o que somos e o que queremos. Ele pode ser o nosso calcanhar de Aquiles e, às vezes, uma arma fatal. Mas, hoje, eu tinha que protegê-los, os meus olhos me entregavam. Marejados... ceguinhos de choro. Eu era um pequeno grande homem triste e o caminho de uma lágrima me riscava o rosto.

Beijos a todos no coração

12.1.07

O dia que troquei uma esquizofrênica por uma maluca.

Agora é sério.

Voltava do trabalho para casa de metrô, como de habitual. Fui forçado a entrar no vagão das mulheres, aquele rosinha. Só entrei porque o sinal tocou e não tinha como entrar em outro. Quando entro nesse vagão olho sempre se conto com a presença de outros do mesmo gênero que eu. Acho essa lei uma besteira, mas procuro sempre ser respeitoso com tudo. Normalmente, nunca sento, vou em pé, mesmo nos outros vagões destinados a todos os gêneros, raças e religiões. Prefiro ficar em pé, para não passar o constrangimento de oferecer o assento para senhoras que se recusam encarar o peso da idade ou aquelas que me enganam com o peso da barriga.

Estava saindo mais cedo do que o habitual, ia para a pré estréia do documentário da esquizofrênica Estamira, mas antes passaria em casa. Quando, de repente, escuto uma voz: você poderia se levantar? Esse vagão é para as mulheres e eu estou caindo de cansada. Olhei... olharam... nos entreolhamos. Aquela pergunta não se dirigia a mim, mas a um rapaz sentado, que comia um sundae, e ao lado dos seus pés uma grande sacola. A mulher, loura com um rabo-de-cavalo, vestia uma saia preta com um casaquinho combinando, na mesma cor e tecido. Segurava uma bolsa e um livro. Nos pés, um sapato de bico finíssimo, com salto altíssimo, daqueles de matar barata em canto de parede. Isso me chamou a atenção. Não tinha elegância, mas não poderia dizer que era uma qualquer. Mais para torta do que pra bolo, ombros arqueados, olhares de pneu caído, rosto de chuchu e cara de bico. Ela tinha diploma e registro. Todos no vagão, ou pelo menos os mais próximos, que puderam escutar o pedido, ficaram surpresos. O rapaz, sem palavras, se levantou e gentilmente, sem comentário algum, cedeu o lugar. Mais surpreso fiquei em não escutar ao menos um obrigado.

Com uma certa indignação, cometei com o rapaz: você sabe que essa lei tem limite de horário. Imediatamente, ela retrucou : sim, até as oito horas, que horas são no seu relógio?Respondi um pouco sem graça: dez para às sete. É, a senhora tem razão. Mas que sapatinho bonitinho, heim?( foi inevitável). Ela: olha rapaz, eu sou advogada. Encabulado e colocando o meu rabinho entre as pernas, lamentei o comentário e lhe respondi: tudo bem, foi apenas um comentário.

Envergonhado permaneci, reparei que as pessoas no vagão riam e comentavam o ocorrido. Não queria saber se eram contra ou a meu favor. Sem jeito, sem graça, esperei chegar ao meu destino. Mas antes que ele chegasse, uma estação antes, veio até a mim o rapaz. Obrigado, disse ele. Não sabia que agora educação tinha diploma, continuou. Falei que ele tinha sido educado e que esquecêssemos o fato, pois já estava muito constrangido.

Ele se despediu e saiu. Continuei por mais uma estação. Quando a composição chegava na minha estação-destino percebi que ela se arrumava para se levantar. Não tinha o ar de cansada. Aproximei-me da porta junto com outras pessoas. Abriu a porta, atravessei e me caminhei até as escadas. Ela fazia o mesmo, um pouco atrás de mim. Nesse instante, aproxima-se de mim um outro homem, mas forte e com aspecto jovial. Perguntou-me: o que foi que ela falou para o rapaz? Expliquei. E ele: que mulher maluca. Alertei: ela está aí atrás. Ele: que se dane... maluca. Antes mesmo que conseguisse pisar o primeiro degrau, surge um dedinho batendo no ombro do homem que me acompanhava. Era ela. O que o senhor falou, perguntou. O senhor me chamou de maluca? Corajosamente o homem confirmou. E ela passou a descrever o fato da seguinte maneira: escuta aqui, eu fui operada 3 vezes da coluna (eis o motivo de ser torta) e eu não posso ficar muito tempo em pé (muito menos em cima de um salto agulha, pensei eu). Continuou: eu estava no vagão das mulheres e sentado num banco, um bichinha... epa! Auto lá! Imediatamente, parei e me voltei para ela. Tinha recuperado a razão que nunca tive e que, por um momento, dentro do vagão, a perdera. Repita o que a senhora acabou de falar, pedia-lhe. Caindo em si, a pseudo advogada, ficou levemente corada, sem coragem de me encarar. Evitava o confronto. Eu insistia, repita. Eu não tinha certeza do que havia escutado, mas diante de sua hesitação em repetir o que dissera ao homem, só me fazia confirmar que os meus ouvidos não haviam se enganado. Isso era preconceito. O garoto nem era bichinha. Estava difamando e sendo desrespeitosa. Vamos a polícia, quero prestar queixa, eu dizia (cacete, mas queixa de quê, eu pensava, diante de meu estado insano). Dessa vez, era eu que a intimava de forma direta e não velada como me havia feito dentro do vagão.

Já irritada, me chamava de maluco e que eu estava a perseguindo desde dentro do vagão. Pedia para sair da sua frente, e eu insistia que ela repetisse. Já transtornada, me empurrava e me lançava olhares ameaçadores de bacharel. Saia da minha frente – dizia ela. Se quiser passe pelo lado, disse-lhe. Foi quando, de uma forma descontrolada, me empurrou, e eu, de forma intuitiva, fiz o mesmo, reagindo a sua ação. Não me toque, gritou de forma furiosa e imperativa. Enfurecida, possuída de poderes judiciários, como se vestisse uma toga e tivesse na mão aquele martelinho,virou-se e me deu com o livro na cabeça, me chamando de maluco, novamente. Convenceu-me.Vesti a carapuça. Fiquei maluco. Agora tinha chegado ao extremo. Cadê o segurança? A senhora me agrediu, vamos para a polícia. Procurava ao meu redor algum segurança. Ela gritava que eu era maluco, o seu olhar já não era desafiador, mas frágil e de horror. Ela andava apressada a minha frente, como de quem fugisse de um algoz. Eu era o seu algoz. E eu insistia, espera, vamos falar com o segurança, quero prestar queixa, dizia. Ela fugia, apavorada, e se virava olhando os meus movimentos como quem foge de uma ameaça. Avistei o segurança, e pedi para ele segurar a mulher. Ele atônito, perguntava-me: pra quê? Quem iria acreditar que aquela senhora de pouca elegância, mas distinta, meio torta, pudesse ter feito algo a um quarentão com ares de garotão? Ele é maluco, estava sentado no vagão das mulheres e me chamou de maluca – repetia ela, já na escada rolante. Ela está mentindo, dizia para o segurança (aquilo, para mim, era pior do que a própria agressão).

Fui até a rua, seguindo-a, em vão. O segurança pedia para ela esperar. Ela dizia não ter tempo e estava com pressa. Ainda, agora, não me parecia cansada, com problemas na coluna, só assustada e covarde. Fugiu e me deixou com uma sensação de frustração, indignação pela forma que usava o seu título de autoridade. Mais uma vez me senti frágil e com o sabor da impunidade.

Isso é verdade, aconteceu mesmo. Claro que no final disso tudo, depois que a indignação passou, ri muito do fato e melhorei depois que cheguei em casa e escrevi o texto. Mas uma coisa é certa: isso é pouco, besteira. Mas, se pensarmos que essas coisas pequenas podem transformar em uma monstruosidade, aí isso me preocupa. Se desde pequenos, nas coisas pequenas, nos habituarmos a sermos atenciosos, respeitosos e humildes, tenho certeza que ao depararmos com algum problema, realmente sério, teremos uma resposta humana e conciliadora.

10.1.07

A primeira vista, a segunda à prazo



Quem já não se enganou, tomando como avaliação a primeira impressão, ou a primeira imagem de uma pessoa. E como essa primeira imagem repercutiu em nossa vida, ou mesmo ficou guardada nas gavetas de nossa memória? Tenho, guardadas, e bem guardadas, nas gavetas que compõem o armário duplex da minha memória, algumas “primeiras vistas”. Lembro-me muito bem como e onde vi, pela primeira vez, algumas pessoas. A primeira vez que vi Ana Carla, Marlene, Márcia, Mário, Cristine, Ruth, Suzana,Gino, Camilla, Sérgio... são essas pessoas queridas (sim senhor... queridas sim), que estão mais presentes em minhas lembranças. Isso não significa que as outras pessoas amigas, das quais não tenho registro da primeira vista, não tenham importância em minha vida. Talvez seja mesmo ao contrário, dessas que me lembro, só me lembro por que de alguma forma, a primeira vista se tornou marcante e significativa e não a pessoa naquele momento, mas o acontecimento. A primeira vista não me daria o aval de com quem eu iria conviver a partir dali.

As pessoas amigas mais próximas já vão pensar, lá vem ele com aquela ladainha. Não se preocupem, que dessa vez não vou narrar o ponto mais frágil da minha vida, até agora, mas revelar coisas que pouco, ou que quase nunca, falei.

Essa semana, contei a história do modelo larapio. Quem é que desconfiaria de uma bonita estampa? Pois é, enganamo-nos muitas vezes. Já diz o meu amigo astrólogo, que os librianos se encantam pelo belo, pela imagem harmoniosa, pelo invólucro e deixam de lado o conteúdo. Até pode ser, meu caro senhor dos astros, mas, agora, procuro sempre o manual, a bula, e abro o pacote antes de aceitar qualquer prenda.

De todas as pessoas que citei acima, todas têm uma interessante história para ser contada, e digo, que a maioria, a primeira vista, não me revelou a pessoa que depois se mostrou para mim. Meus caros senhores....minhas caras senhoras, eis aqui algumas das minhas revelações.

Vou contar apenas 3.Três episódios. Aquele, que todos queriam que eu contasse, não se iludam, não contarei não. Ficará guardado, se é que guardo isso, ou escondo, de alguém.

Em ordem cronológica, vou contar o primeiro deles, o instante que cruzei com a Cristine. Todos devem saber que a Cristine foi minha companheira no Mestrado. Um Mestrado que passei no susto. É... susto. Susto porque passei sem ao menos ter estudado, isso não significa que eu seja um gênio ou a prova tenha sido muito fácil, nada disso. Não sou um gênio e nem a prova foi fácil. Acho que contei com a sorte e, a primeira impressão que dei aos professores, tenha-me favorecido. Susto dei na Cristine, ou pelo menos foi essa impressão que ela me causou ao cruzar comigo na saída da entrevista.

Para se ingressar no Mestrado, passamos por duas provas (específica e de línguas) e uma entrevista. Para mim, a entrevista tinha sido um fiasco. Tinha confiança plena na proposta do meu trabalho, controle absoluto, e estava preparado para qualquer tipo de pergunta. Mas os três professores da banca, resolveram fazer uma inquirição. Eu não tinha a menor noção do que estava acontecendo. Para resumir a história, tinham, à primeira vista, me confundindo com outro. Outro esse criado pela própria imaginação fértil desses peritos em analisar imagens. Gente, imagem não é tudo! Nem mesmo fatos não investigados são provas contundentes de alguma coisa. Procure sempre a segunda, terceira ou até quarta versão dos fatos.

Fui confundido e confuso me deixaram diante de perguntas capciosas de como, onde e quando eu conhecera o diretor do mestrado, que por uma pura fatalidade, no decorrer da minha inscrição, veio a se tornar o meu orientador. Da minha boca saía as mais puras e singelas respostas. Tão banais e verdadeiras, que achei que aos ouvidos dos inquiridores soariam como frágeis e mentirosas. A meu favor apenas um fato. A ausência, durante o processo de inscrição, de uma das professoras da mesa, que por motivo de viagem, não pode me dar auxílio na procura de um orientador. Estava deflagrado o conflito. Diante de meu reclame, e desconhecendo, dentre os avaliadores, a professora faltosa, um silêncio se anunciou, e encerrou-se assim a entrevista. Mas, antes mesmo que eu me retirasse, ouvi a observação de um deles: aí vai o nosso político.

Sai assim da sala, com uma cara assustada e assustando a pobre Cristine, que ao me perguntar como tinha sido a entrevista, respondi: acho que não fui bem. Puro engano, de todas as avaliações essa tinha sido a melhor. Ou será que as outras, sim, tinham sido uns fiascos? Coitada da Cristine, diante da minha pálida imagem, deixei-a preocupada, e com receio do que iria encontrar ao cruzar aquela porta. Mas, o que guardo da visão que tive foi: caramba, que mulher linda, esse Mestrado não só tem gente feia. Essa imagem, essa impressão, não posso dizer que não tenha permanecido em mim a respeito de minha amiga. Continua, e continuará, por que a beleza, a maior delas, é que emana de dentro e a que faz torná-la essa pessoa encantadora e invejada.

Passaram-se os dias, e dessa imagem assustada, preocupada e insegura da pobre Cristine, não tenho testemunho, apenas lembrança. Hoje, tenho a imagem de uma pessoa confiante e plena de felicidade. Costumo dizer que existe, sim, uma pessoa feliz, e essa pessoa se chama Cristine.

Vamos agora a segunda história. Essa é engraçada, confunde-se com a própria pessoa. Suzana, a nossa famosa “vou ali volto já”. Já foi e não voltou tantas vezes que nos confunde. Suzana é daquelas pessoas que à primeira vista, para todos, nos é familiar e, portanto, comigo não poderia ser diferente. A gente sempre tem a impressão que a conhece. Até mesmo o nosso querido Caetano Veloso já a confundiu. Certa vez, numa vernissage, ele chegou esbaforido e a cumprimentou com um caloroso abraço, como se a conhecesse de longa data. Alertado pela plena desconhecida da pequena confusão, o ilustre cantador improvisou uma desculpa: ah! Não a conheço? Mas me deu vontade de abraçá-la. É, ninguém quer se passar por tolo ou enganado.

A primeira vez que a vi, foi saindo do Departamento de Comunicação de uma grande empresa. Não se pode dizer que a nossa Suzana passa por nós desapercebida, né? Naquela época, ela ainda não tinha adotado, em seu guarda-roupa, as saias compridas e bordadas a la Capeto, mas já usava a bolsa transpassada tipo carteiro. Passou por mim, como quem quer esconder os olhos e o rosto por meio de seus longos cabelos, enrolando com o dedo indicador, médio e fura-bolo os cachos, e posicionando-os cuidadosamente sobre o lado do rosto, como que se criasse uma moldura capilar. Com passadas largas e ligeiramente seguras, a cabeça baixa, deixava, propositalmente, revelar um certo mistério.

Suzana foi uma das poucas que se revelou, em sua primeira imagem, a mulher que é. Imprecisa. Misteriosa...que nos confunde. Isso não reverte em sua personalidade, mas na impressão que temos de si. Não deixa de ser um charme um ponto ao seu favor. Como é bom ir descobrindo, descortinando, aos poucos essa mulher.

A minha vida é feita por mulheres. Sempre escutei isso. Mas devo a eles algumas passagens também. Mário... Gino... Sérgio. Epa! Na verdade, a primeira impressão é mais dele do que minha. Sérgio me viu como um porquinho (mas ainda assim, belo) sendo servido aos comensais. Não imaginem coisas,hein?

Teve um período em minha vida, exatamente 4 meses, que passei a andar de Classe A. Diz a minha prima que a Classe estava mais para D e F do que propriamente a primeira letra do alfabeto, pode ser, mas o fato é que me servia. Passados os 4 meses, voltei ao outro Mercedes, esse que serve a um número maior de pessoas (cá pra mim, creio que o outro também servia), o famoso 157. E foi assim que o Sérgio teve a sua primeira visão de mim. Sempre apressado e, totalmente, descompromissado. Sempre correndo e não querendo perder tempo com nada, entrei no ônibus 157, carregando uma pasta na mão, na outra uma revista ou livro, não me lembro, e na boca uma bela maçã. Sem tirá-la da boca, paguei a minha passagem, passei pela roleta e fui me sentar atrás do veículo. Lia e comia com sofreguidão. Do Sérgio me chamou a atenção o fato de sempre descermos no mesmo ponto, ele empinadinho, andar apressado e firme a minha frente, passava pelo passeio público, virava a esquina e num passe de mágica sumia da minha vista.

Reencontrei-o várias vezes. Mas uma das passagens, não a seguida da maçã, foi com outra amiga, Simone, que teimava em chamá-lo de Dr. Roberto. Dr. Roberto, eu repetia com estranheza a cada vez que me dirigia a ele. Ele,olhava-me com olhares sem graça. Mas já nos conhecíamos, ele como Sérgio. O doutor era surpresa, e Roberto nem se fala. Sérgio Roberto poderia ser uma hipótese remota, mas não descartada. Mas na verdade, era apenas uma confusão da Simone. O Roberto era puro devaneio.

E assim, foram as primeiras e duradouras impressões que tive e que carrego comigo, sem a chance remota de esquecê-las.

Para que as outras pessoas citadas e, nem todas, leitoras de meus escritos, não pensem que as citei levianamente, aí vão apenas algumas observações ligeiras da primeira vista.

Ana Carla, encontro de design no final dos anos 80, olhar tranqüilo e seguro.

Marlene, acho que de todas foi a impressão mais equivocada que tive. Chata e velha. Vestido pesado, cabelo emoldurando um rosto fino. Posso falar assim por que sei que temos essa liberdade.

Márcia, debruçada sobre uma prancheta, quieta e recatada. Mineira uaí!

Mário, dentro de seu marajó, acertei e errei no que vi.

Ruth, sentada no chão do corredor da faculdade, não parecia a bonita e simples pessoa que se revelou para mim. Minha afilhada.

Gino, através de uma vidraça, transparente, claro .... grande mentira.

Camilla, outubro de 2002, vi na veja, estampada em um anúncio, tomava café com o Gino na padaria...eta vida cruel.

Beijos e até la vista!
Comprem sempre a prazo, escutem a música de suas memórias... agora vem a lembrança do The Coors e a música “Alma Mater”de Rodrigo Leão, momentos vividos e nunca mais esquecidos.

6.1.07


Conta a lenda que gato tem 7 vidas... depois dessa semana, acho que me restam apenas 2.

Devo já ter contado essas histórias, mas será necessário repeti-las, rapidamente, para não errar nas contas. Com 4 anos de idade, cai de uma ponte em Cachoeiras de Macacu, e fui salvo, das correntezas do rio, por uma senhora que me segurou pela japona (santa japona). Ainda, com os meus 4 anos, no tempo em que minha mãe pegava lotação, Um homem careca, com jeito de sulista (isso já deveria ser um sinal, não tomei atenção), com pretexto de ajudar minha mãe, então grávida do meu irmão, me pegou pelos braços e me levou. Pega desprevenida e não entendendo muito bem o que estava acontecendo, minha pobre mãe, com uma barriga atrapalhando o seu deslocamento, correu atrás do sujeito e me arrancou dos seus braços. O sujeito deu uma de desentendido e foi embora. Aí está o primeiro seqüestro relâmpago não registrado, ainda no tempo que o Rio era Guanabara.

Acho que essa história ficou no meu subconsciente, e sempre desconfiei que eu não era eu, ou, pelo menos, filho de meus pais. Depois, no início dos anos 70, foi noticiado o seqüestro do Carlinhos. Vocês lembram? Até hoje, ninguém sabe o que aconteceu. Por um bom tempo, eu achei que eu fosse o Carlinhos e que aqueles não eram os meus pais. Passei a investigar nas gavetas dos armários alguma pista da minha verdadeira origem e identidade. Não achei nada de concreto. E dei-me por satisfeito em não ser o Carlinhos, mas ser, realmente, o Cacá, alcunha que meu primo Philippe me dera.

Um pouco antes de entrar para a faculdade, ainda no tempo do colégio, uma vizinha de bairro ligou lá para casa, para saber se eu tinha morrido. Diante de uma questão crucial como essa, fiquei atordoado, será que morri e quem atende, agora, o telefone não sou eu? Percebi que a vizinha havia se confundido com os “Carlos”. Eu era Carlos Eduardo, o defunto era Carlos Alberto...credo! Eu o conhecia. Morreu num acidente de carro. Estudávamos no mesmo colégio. Contabilizando, tenho até agora, uma morte, uma suspeita e um atentado. Posso dizer que utilizei as minhas 3 vidas. Restam-me 4.

Há duas semanas atrás, voltei de viagem. Passei uns 10 dias viajando por Fortaleza e Florianópolis. No primeiro dia da viagem, ainda no aeroporto do Rio, tive um pressentimento: achei que o forno estava ligado. Liguei para a minha prima e pedi que ela fosse até a minha casa averiguar. Alarme falso. Depois de 10 dias, volto a casa, ela precisa de cuidados e atenção. Arrumo, dou carinho e passo a fazer as tarefas rotineiras de um dono-de-lar prendado. Coloco para ferver água para o mate. Joachim cansado de tanto andar durante um domingo ensolarado, mantem-se prostrado no chão. Venta... e o vento faz do papel toalha uma bandeirola que se põe a flanar por cima do fogão. Recolho, e o coloco em seu devido lugar. O telefone toca. É a minha amiga Márcia reclamando que não liguei para ela no seu aniversário. Conta que uma amiga em comum tinha ido numa palestra onde um vidente previa catástrofes para os anos seguintes: tsunami no Rio, Lula não será reeleito (isso não é exatamente uma catástrofe) e o Brasil não vai ganhar a Copa. Demos um prazo para o sujeito. Mediremos a sua capacidade de acerto pelas duas últimas previsões, a partir daí sim, começaremos a nos preocupar com a onda que alagará Ipanema. De repente escuto um estalar: tac! Um barulho. Joachim, ainda meio grogue, levanta e vai até a porta e olha para mim. Tem algo estranho, interpreto. Largo o telefone e saio correndo em direção a cozinha. Ela estava clara, apesar da noite se manifestar. Uma labareda de 1,70m, que vinha da lata de lixo ao lado do fogão, me saudava. Fiquei estarrecido diante daquilo. O copo de liquidificador e torneira foi o que me veio à cabeça. E joga água...mais água... mais, e nada. Em um breve momento, um segundo pensamento. Uma cena me veio a cabeça: abro a porta e saio gritando: FOGO! FOGO! Patético. Acho que nem o Joachim acreditaria, acharia que era brincadeira e pularia em cima de mim. Corta. Pensamento número 3: como em todos os filmes, vamos abafar com um cobertor. Mas não havia por perto nada parecido. O jeito foi afastar a licheira que já estava em chamas e ao lado do fogão, jogar mais água, o suficiente para alagar a cozinha. Fogo apagado. Tudo terminado. Essa tinha me deixado preocupado.Teria sido um alerta? Não devemos brincar com fogo.

Nos últimos dias tenho andado gripado, um pouco mole. Uma gripe que se arrasta há mais de 5 dias, nada que me deixe muito preocupado, apenas uma pequena dificuldade em respirar. De quinta para sexta, começo a sentir uma tontura, um certo enjôo. Comecei a ficar preocupado. Um mal estar. São duas da manhã, sozinho em casa. Eu e o Joachim. Não queria acabar como naquela história em que o sujeito é encontrado morto e já em putrefação ao lado do cão faminto. Comecei a arrumar a casa. Coloco a ração no pote para o Joachim e ligo para o meu plano de saúde para saber o hospital mais perto de casa que tenho direito. Hospital Santa Maria, em Laranjeiras. Nunca havia escutado. Pego um táxi e parto para lá. Era uma clínica e a porta de vidro fechada. Toco a campanhia, aguardo, e aparece um segurança sonolento. Entro. Não me parecia um hospital e muito menos uma emergência. Um outro rapaz, com mais sono ainda, pergunta meu nome, idade, endereço, cep ... CEP? Não sei lhe dizer, disse. Serve bairro. Diante de tanto descaso, comecei a ficar nervoso e revoltado. Perguntei: aqui tem emergência? Sim, foi a resposta com uma indicação para uma salinha. Fui para lá. Um outro rapaz me esperava. Perguntei: você é o médico? Não, sou o enfermeiro, foi a resposta. Mediu a minha pressão.: 16 por 12. Alta. Chega a médica e fala do meu estado. Teria que ficar em observação,faria uns exames e diante do resultado seria internado. Perguntei com uma certa indignação: aqui? Resposta mais do que óbvia da médica simpática: sim. Fiz um eletro e coletaram o meu sangue para o exame de enzimas. Explicaram-me que esse exame é feito para diagnosticar infarto. Passadas 4 horas, uma nova coleta seria feita e ao comparar com a primeira daria o resultado positivo ou negativo. Deram-me um comprimido para colocar embaixo da língua e depois mais 3 para mastigar. Colocaram-me deitado em uma cama estreita olhando para o teto. Já eram 4 horas da manhã.

No meu trajeto até o hospital, tinha mandado 3 torpedos. Um para a Ana Cristina, minha prima, outro para Suzana, e o terceiro para o Sérgio. Ninguém havia me respondido. Preocupado, recorro ao telefone, e acordo o meu amigo Sérgio. Passada uma hora, lá estava ele para me confortar e me alegrar. Nada como ter amigos. Contei tudo que havia acontecido e ele me falou que estava tudo sobre controle. Vendo que meu estado era tranqüilo, me contou que tinha sido naquele hospital que a Cássia Eller tinha morrido. Legal! Sendo médico, tinha uma articulação fácil com as enfermeiras, que além de mostrar os meus exames, mostrava também os exames do outro paciente da cama ao lado da minha. Coitado, esse estava mal. A cara da enfermeira expressava o estado do paciente. Ele estava pronto para encontrar a Cássia. Mediram novamente a pressão, normal: 12 por 8.

Não tendo por que ficar mais tempo ali, afinal a minha segunda coleta só seria feita as 8 da manhã, Sergio se despediu e foi trabalhar. Amigão! Fiquei aguardando a segunda coleta. O turno dos enfermeiros e médicos muda. A médica, que me atendeu de madrugada, volta para me dar uma satisfação. O mesmo discurso, dessa vez não me deixei levar pelo seu pessimismo e ignorei a internação. E surge uma mulata. Por que temos tanta enfermeira mulata? Começa arrumando as coisas. Puxa o carrinho para lá, empurra o suporte do soro para o outro lado, fecha o armário, procura a caneta... caneta? Pergunto se já não era a hora de fazer a segunda coleta, eram 8 horas da manhã. Ainda não veio o pedido, foi a resposta. Morrer eu não ia, por isso me mantive calmo. E onde estava a caneta? Liga para o ambulatório e pede uma caneta. Meu Deus, por que será que uma caneta faz tanta falta numa emergência? Surge o novo médico, pergunta pelo meu estado e me reconforta, dizendo que estava tudo certo com os meus exames e que só estava esperando o resultado da segunda coleta. Resultado? Disse que ainda não tinha sido feita a segunda coleta, e ele foi providenciar.

O meu vizinho, certamente, merecia mais atenção do que eu. Não me importava nada nada com isso, muito pelo contrário. Ele estava sendo monitorado com aquele aparelho que tem um visor com um gráfico. Olhei para o monitor e via apenas um risco contínuo. Ué? Isso não quer dizer que o coração não está batendo? Olhei para o cidadão e ele respirava. Falei com o enfermeiro e ele foi averiguar. O aparelho não estava funcionando direito. Mexeu e normalizou. De repente, o risco contínuo volta e apreensivo procuro o enfermeiro. Um sinal toca. Levo um susto. Era o meu celular.

Outra enfermeira chega, com uma caneta. Tinha que assinar o pedido para o exame. Assinei. Coletaram e fizeram um novo eletro. Mais meia hora, o médico chega. Disse que não precisava ficar esperando o resultado ali, não tinha necessidade e afinal os exames eram rotineiros, apenas por precaução. Eu estava bem. O resultado chegou e não havia sinal de infarto. Eu estava com plena saúde. Liberou-me e fui para casa.

Agora, restam-me apenas duas vidas. Não contabilizo as mortes e os lutos das paixões, caso contrário já estaria com a Cássia Eller cantando “Quando o segundo sol chegar. Para realinhar as órbitas dos planetas ....”. Cássia, ainda vai ter que me esperar mais um pouquinho.

Bjs e um bom dia